História Brazlândia
A obra do historiador Paulo Bertran, História da Terra e do Homem no Planalto Central – Eco-História do Distrito Federal – Do Indígena ao Colonizador, foi utilizada como base de consulta principal para este roteiro histórico. As indicações de capítulos atribuídas a Bertran fazem referência a esta obra. As outras fontes consultadas, não menos importantes, estão indicadas no texto ou nas notas de rodapé. Partes das entrevistas realizadas durante o trabalho de campo nos meses de abril e maio de 2006, foram transcritas como testemunhos para dois itens propostos: origens de Brazlândia, e o Distrito Federal e Brazlândia.
Pré-história
O Planalto Central de altitude encontra-se sobre algumas das rochas mais antigas do planeta. O grupo de rochas sobre o qual pisamos na área do Plano Piloto e na maior parte do Distrito Federal data de um bilhão de anos. O denominado grupo Paranoá compõe-se rochas de quartzitos médios e unidades argilosas como metarritmitos, metassiltitos e metalamitos, se estendendo para o norte até a chapada dos Veadeiros. De acordo com o professor Elói Campos, na maior parte da bacia do rio Maranhão a geologia é representada por rochas atribuídas aos grupos Paranoá, Araxá e Canastra. Em Taguatinga, Brazlândia, Gama e Planaltina, as rochas de um bilhão de anos estão a pouco mais de 10 metros de profundidade.
O relevo que caracteriza a atual paisagem do Distrito Federal começou a ser desenhado a 65 milhões de anos, no mesmo período em que os dinossauros desapareciam da terra e quando se formava a depressão onde está o Plano Piloto. Os divisores dos rios e afluentes que nascem no Distrito Federal e que banham a região começaram a serem definidos há 50 milhões de anos. Em termos geológicos o restante das paisagens naturais do DF é muito recente e possui em torno de 500 mil a 11 milhões de anos.
A quantidade de grutas de calcário e de afloramentos do carste pode ter caracterizado a região da Cafuringaou o Vão do Buraco, como um local preferencial para o homem pré-histórico[1]. Entretanto ainda não existem achados arqueológicos específicos nesta área. O Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA/ Universidade Católica de Goiás) realizou pesquisas em Sítios Arqueológicos na área do Ribeirão Melchior, próximos às cidades de Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. Estudos sobre os vestígios dos primeiros homens que habitaram o Planalto Central revelaram que o Distrito Federal e a região do entorno ainda conservam relevante registro da pré-história.
A Universidade Federal de Goiás também realizou estudos na região em parceria com a Universidade de São Paulo, dentro do Projeto Anhanguera de Pesquisas Pré-Históricas sobre as áreas do entorno e do Distrito Federal, entre elas Planaltina de Goiás, onde a professora Dilamar Martins encontrou cerca de quatro mil peças de uma oficina lítica, de fabricação de instrumentos de pedra. Eurico Miller e Paulo Jobim percorreram as margens do córrego Taguatinga e encontraram artefatos de pelo menos seis mil anos, encobertos por terra. O achado revelou três sítios arqueológicos com vestígios ainda não decifrados dos antigos habitantes da região. Os pesquisadores encontraram em chácaras de Taguatinga e Ceilândia, numa faixa de três quilômetros, resquícios de ocupação humana: uma cabeça de flecha fabricada em quartzo, e uma lesma – instrumento de pedra (limace em francês). As lesmas seriam usadas para produzir os instrumentos de madeira e na raspagem de materiais como o couro.
Pedro Ignácio Schmitz
Instrumentos mais característicos do primeiro período,
as chamadas “lesmas”.
Essa descoberta chamou a atenção pela semelhança com achados sobre esses povos em outras partes do Brasil. A técnica de extração de rocha para fabricação de instrumentos, similar à que foi estudada em sítios como o de Serranópolis, no sul de Goiás, e outros no norte de Minas Gerais e no sul do Ceará, levou os arqueólogos à hipótese de que se trata da mesma civilização que habitava todo o cerrado. A equipe que investigou os três sítios arqueológicos sustenta a teoria de que os povos que viveram no local eram nômades. Os grupos viviam da caça e da coleta de frutas silvestres.As caminhadas em busca de alimentos levavam-lhes a percorrer grandes distâncias.
Em julho de 2004, uma equipe de 20 pesquisadores do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), da Universidade Católica de Goiás, sob o comando da arqueóloga Mariza Barbosa, iniciou o trabalho de salvamento arqueológico em áreas do entorno de Brasília. Foram encontrados, sob o solo de Taguatinga e Ceilândia, artefatos e vestígios de fósseis humanos na área de três sítios pré-históricos, de até seis mil anos, e dois sítios históricos do Século XIX. De acordo com o professor Pedro Ignácio Schmitz[2], a partir de 6.500 anos a.C. nota-se uma mudança no clima e também na cultura. A partir deste momento há numerosos sepultamentos nos espaços ocupados, os instrumentos de pedra se tornam muito simples. Este seria o momento em que uma população de feições negróides, como a Luzia (nome dado à ossada humana encontrada em Lagoa Santa – MG), seria substituída, de acordo uma hipótese, por uma população mongolóide. O professor conclui que as populações indígenas, que chegaram às savanas tropicais, adaptaram-se a elas e criaram sua própria cultura e modo de vida.
Pedro Ignácio Schmitz
Sítios arqueológicos antigos nas savanas tropicais: 1. Alto Sucuriú, MS; 2. Serranópolis, 3. Rio do Peixe; 4. Caiapônia, 5. Uruaçu, 6. formadores do rio Tocantins, GO; 7. Rio Paraná, 8. UHE Serra da Mesa, TO; 9. Serra do Cipó, 10. Varzelândia, 11. Vale do Peruaçu, MG; 12. Serra Geral, BA; 13. Itaparica, 14. Bom Jardim, PE; 15. Rio Açu, 16. Litoral, RN; 17. São Raimundo Nonato, PI.
No cerrado e na caatinga puderam encontrar uma grande diversidade de frutos nutritivos e muitas espécies animais de tamanhos médio e pequeno, que são permanentes no lugar, sendo fáceis de apanhar. Esta situação é muito diferente da observada nas estepes de áreas frias, nas quais as manadas de grandes animais migram de um lugar para o outro, nas diversas estações do ano. Para Altair Sales Barbosa, mais importante do que discutir datações e teorias gerais é investigar em que termos ocorreu, na pré-história, a integração homem-natureza, em que ambiente ecossistêmico aconteceu tão antiga existência humana no Planalto Central do Brasil, pelo menos desde 12 mil anos, que é a datação mais antiga da presença do homem nesta região.
A diversidade de ecossistemas, como o campo, o cerrado e a mata era o ambiente que provia os grupos humanos com a carne da fauna silvestre, abundante até a pouco tempo atrás, e com produtos vegetais nativos como tubérculos, palmitos e frutos – o pequi, a guariroba, o babaçu, a marmelada do campo, o bacupari, muricis, pitangas, araticum, as gabirobas e o ananás. As zonas de transição entre as fisionomias do cerrado e as faixas de transição entre o cerrado e os biomas Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica ainda constituem áreas privilegiadas em termos de biodiversidade de fontes alimentares.
Indígenas
O historiador Paulo Bertran registrou relatos históricos que descrevem a região do Distrito Federal como território de caça, coleta e pequena agricultura de antigos grupos macro-jê e ponto de contato de suas sub-etnias: os Kaiapó, os Acroá ou Acwa, ao norte, a que julga pertencerem à extinta nação dos Crixá e Acroá, assim como os atuais Xavantes, Xerente e Xacriabá. Os índios Goiá, segundo o autor, foram grande nação, ocupando Minas Gerais e Goiás no século XVII, foram totalmente exterminados pelos Kaiapó antes da conquista portuguesa. O Anhagüera filho encontrou apenas uma centena deles em 1726, aos quais protegiam instalados na sua fazenda da Barra.
Desde o Piauí, o Maranhão e o Pará (Timbira e Caiapó) estendia-se a coluna vertebral dos Jê por São Paulo Paraná e Santa Catarina (Kaigangue e Botocudo), apresenta o Mapa Etnográfico de Nimuendajú, ocupando todo o cerrado do Brasil. Os xavantes, como outros índios Jê, consideram o Cerrado como “lugar bom” (rópetsêde) e o tem como um elemento fundamental, sobre os quais vivem e exercem um controle rigoroso e demonstram uma vasta riqueza de conhecimentos relativos ao seu ambiente.[3]
Os povos Jê demonstram elevado conhecimento sobre os ecossistemas do cerrado e utilizavam as espécies da flora e da fauna das mais variadas formas, garantindo a sua subsistência alimentar, medicina tradicional e a manutenção de suas cerimônias por intermédio do acesso a grande diversidade de espécies. Sem a caça, a cultura xavante seria muito diferente, mas sem a coleta não seriam jamais capazes de existir, pois não ficam nenhum dia sem consumir os produtos naturais do Cerrado, ao passo que conseguem ficar vários dias sem comer carne.[4]
O confinamento em Terras Indígenas, de povos nômades, como os da etnia Xavante, cujos hábitos e rituais, cerimônias e formas de organização do mundo estão diretamente ligados ao uso ritual e alimentar das espécies do cerrado, permitiu a compreensão de que “a biodiversidade não é só um produto da natureza, mas em muitos casos é produto da ação das sociedades e culturas humanas, em particular das sociedades tradicionais não-industriais” [5].
Esta afirmação reforça a hipótese de que as sociedades pré-ocidentais são responsáveis por boa parte da proliferação de espécies úteis de árvores e palmeiras, e sugere a ocorrência de uma forma antiga de manejo ambiental que ajudou a compor as paisagens naturais de Pindorama – a terra das palmeiras: forma tupi de denominação do Brasil, a qual, segundo Couto Magalhães, era usada por indígenas. Quando nascemos encontramos aqui esta paisagem que está sendo destruída indiscriminadamente desde a década de 1970, quando muitos tipos de frutos e tubérculos utilizados tradicionalmente na dieta Jê tornaram-se escassos. Os grupos coletores indígenas, hoje, percorrem grandes distâncias, inclusive dentro de fazendas, para encontrar os frutos essenciais à sua cultura alimentar.
Por volta de 1600, algumas nações Tupi importantes, como os Amoipira, Tupinãe e Tabajara instalam-se no médio São Francisco. Os Aricobé e Tupinambá e os Temiminó alcançaram a Serra Geral de Goiás, estes últimos, refugiaram-se no rio Paranã. Em 1602, ainda no Paranã, os Temiminó foram assaltados por uma vanguarda da bandeira de Nicolau Barreto, segundo carta do jesuíta Vam Surk, da Companhia de Jesus.
Bandeiras
O roteiro de André Fernandes, da expedição entre 1612 e 1615, refere-se a uma lagoa onde havia salitre para fabricação de pólvora, a qual, segundo o historiador Paulo Bertran, parece ser a Lagoa Formosa, próximo às nascentes do Maranhão dos altos da Chapada da Contagem, de onde via-se os rios amazônicos correrem para o norte e para o sul, os platinos. Esta lagoa aparece em vários mapas antigos do Brasil e marcava geograficamente um mito que mais tarde foi eliminado com a identificação das origens separadas para os grandes rios que nascem ou vertem afluentes desde o grande divisor de águas do Distrito Federal.
A presença do salitre nas águas da região, deixando-as com um gosto insalubre, segundo Paulo Bertran, deve estar ligada à denominação dos principais ribeirões da Cafuringa: o Rio do Sal e o Rio das Salinas. Além do nome da região da Cafuringa, onde o ouro tinha seu sabor provado (cafuringado) na terra, pois a ocorrência de ouro livre em banquisas aleatórias poderia ocorrer, no contato de travessões de salitre. Aquilo que os antigos chamavam de pequenos ou grandes “monchões”, detectáveis superficialmente por concentrações de plantas como as canela-de-emas e as quaresmeiras, fito-indicadores de ouro anômalo concentrado no solo ou subsolo. Dizia-se que o primeiro ouro era encontrado nas víceras dos animais. O naturalista Saint-Hilaire (1819) atribuía o fato aos animais complementarem suas rações alimentares em bancos naturais de sal diluído na terra e de salitres da região, entre os quais existiriam concentrações de ouro em estado natural.
O Rio Maranhão deve ter sido assim denominado, ainda nos anos de 1600, pelas primeiras bandeiras paulistas epicentro dos Campos Gerais do Brasil. (Campos Gerais é a taxonomia verdadeira do Cerrado, apoiada por diversas fontes documentais dos séculos XVI, XVII e XVIII). Em pouco tempo descobriram o mais alto divisor de águas do Brasil: a Chapada da Contagem. Dali possível comunicar-se pela navegação com o estado português do Maranhão e do Grão-Pará, no norte amazônico. Vem daí o nome de Rio Maranhão, dado a este grande limítrofe físico ao norte do Distrito Federal, rio através do qual chegava-se ao estado português do Maranhão, último grande formador meridional e oriental do Rio das Amazonas.
A bandeira de Anhangüera-Sênior, Bartolomeu Bueno da Silva, em 1682, teve profundas conseqüências no futuro descobrimento das minas de Mato Grosso e Goiás. Acompanhado por Manoel de Campos Bicudo, e pelos filhos de ambos os chefes, entre eles, Bartolomeu Bueno da Silva, o futuro Anhagüera-Filho, e Antônio Pires de Campos, o futuro Pai-Pirá, Pai de Todos na língua Tupi. O itinerário identificado pelo historiador relata que teriam saído da vila de Parnaíba-SP e atravessado os rios Paranaíba, Corumbá e Meia-Ponte. Montando a primeira roça em Anicuns e a segunda no sítio da Cidade de Goiás, onde passaram o inverno com os índios aprisionados no Araguaia.
Adotando como referência o ano de 1694, data da descoberta do ouro em Minas Gerais, houve uma paralisação de todo movimento entradista no Brasil Central, com exceção às bandeiras à margem direita do rio Tocantins, pelos criadores de gado do Nordeste Brasileiro e daquelas lançadas ao noroeste de Minas Gerais. O Anhaguera-Filho tinha 67 anos, depois de passar 20 anos nas lavras de Minas Gerais, voltou a Goiás em 1722, acompanhado do alferes Silva Braga, Emboaba, portanto inimigo de Anhagüera, destacado pelas autoridades de São Paulo para coletar informações sigilosas da expedição e mais tarde, torna-se o maior cronista da bandeira. Braga relatou com detalhes a expedição. Anhagüera tomou o rumo do Distrito Federal, em direção às minas de Goiás. A dois dias de viagem para o norte do rio Paranaíba encontravam-se na região de Catalão.
A altitude vai subindo gradativamente dos 600m da divisa de Minas e Goiás até os 1.200m no chapadão do Gama. Silva Braga então relata que deram com umas grandes chapadas, com falta de todo o necessário, sem mantos nem mantimentos. Morreram cerca de 40 expedicionários, um terço da expedição, quando resolveram assaltar uma aldeia indígena para roubar comida. Joseph de Mello Álvares, em um manuscrito encontrado por Paulo Bertran no Arquivo Histórico de Goiânia, registra que ainda em 1886 perambulavam pacificamente pela região Crixás, Xavante e Pedra Branca. Esses Crixás ou Quirixás provavelmente foram os índios assaltados pelo Diabo Velho, segundo o relato de Silva Braga.
A tropa de expedicionários caminhou pela picada indígena por nove dias, chegando a uma serra cujas vertentes deságuam para o Norte. Bertran salienta a importância desta anotação de Silva Braga. Se Braga se dá ao trabalho de anotar que a tal serra verte águas para o Norte, é porque até então palmilhava grandes chapadas que vertiam para o Sul, para a bacia Platina, ou seja, a área de drenagem do São Bartolomeu, que teria esse nome – no entender de Diogo de Vasconscelos – em homenagem ao Anhagüera, Bartolomeu Bueno da Silva.[6]
Urbano do Couto Menezes é personagem claramente identificado na história das minas de Goiás no Século XVIII. Teria 20 anos ao acompanhar Anhangüera à conquista dos Goiazes, em 1722. Com o êxito da bandeira, em 1728, solicita ao governo de São Paulo uma sesmaria de terras no caminho dos Goiazes, à guisa de recompensa pela descoberta do novo Eldorado.
Em 1730, já estava no Planalto, guiando a expedição com que Manuel Rodrigues Tomar fundava Meia Ponte, atual Pirenópolis. Após 1730, Urbano participou ativamente na abertura de uma estrada que ligava o coração de Minas Gerais às minas de Goiás. Parece que desde então se fixou no Planalto Central, e participou da avultada mineração que houve em Luziânia, apossando-se com fazendas e lavras em Cafuringa e nas serras do alto Maranhão.
O Roteiro do Ouro de Urbano e as profecias de D. Bosco (1883)[7] são as mais antigas legendas do planalto brasiliense. Fabulosa mina de ouro que, de tão puro, segundo a tradição oral, extrai-se da rocha a golpes de machado e marreta. Descoberta pelo português Urbano do Couto antes de 1750, permaneceria recôndita até hoje, nas serras goianas e brasilienses do alto Maranhão. Datado de 1750, esta fica sendo também a mais antiga datação que encontramos para o arraial de Couros, atual Formosa. Paulo Bertran apresenta o famoso roteiro, identificando as áreas descritas:
“Irão os meus novos bandeirantes dessas minas americanas pela picada da Bahia que vai para Goiás, ao lugar mais alto da terra, de onde emanam quatro ribeirões, dos quais ficarão intituladas as suas cabeceiras, estas as principais do rio Preto, no arraial de Couros, São Bartolomeu, Paranam e Maranhão…”
Três Irmãos e Dois Irmãos são denominações que designam dois ou três morros agrupados e de formato assemelhado. Gelmires Reis, em artigo de 1980, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, cita haver à margem direita do rio do Sal – tributário do Maranhão – um conjunto de morros iguais com a denominação de Três Irmãos, onde, de fato (até hoje há memória corrente do evento), uma expedição, ao tempo da construção de Brasília, descobriu nessa paragem, a nordeste de Brazlândia, vestígios de mineração, incluindo-se restos de artefatos de ferro nela empregados.
Gelmires julgava ali se situarem as minas do Urbano, até mesmo porque existiam próximos uns “matos roxos” que constavam do Roteiro. Matos roxos, muito pintalgados de quaresmeiras, que acho são plantas invasoras, fito-indicadoras da mineração antiga, trazidos seus esporos de sementes por antigos mineradores, nas dobras das roupas. De fato, em Cafuringa, no raio de seis quilômetros em torno da serra do Urbano, temos o córrego do Ouro, o córrego Prata, o córrego Lavrinha – afluente do rio do Sal – e até mesmo o córrego Urbano (afluente do ribeirão da Palma), configurando uma antiga região de mineração a nordeste de Brazlândia e a não mais de 20 quilômetros, em linha reta, a noroeste de Brasília.
A Contagem do pé da Serra de São João das Três Barras, instalada em 1736, a dez quilômetros do atual Plano Piloto, era um posto fiscal intermediário entre os registros instalados nas fronteiras das capitanias e o destino final das mercadorias nos arraiais auríferos, que contava com o efetivo de duas mil tropas anuais. A fiscalização tinha o objetivo de conter a colonização alternativa feita pela picada da Bahia, aberta ilegalmente por contrabandistas para as recém descobertas minas de Meia Ponte. Segundo Olympio Jacintho (1868-1938), o primeiro cronista de Formosa, conta a história de um contratador das entradas de Goiás para 1736/38, Bernardo Fernandes Guimarães que fez instalar às suas expensas, os registros de Lagoa Feia, Santa Maria e São João das Três Barras.
Sesmarias
Até 1749, durante o tempo em que o território goiano foi governado pela Capitania de São Paulo, a ordem régia de 21 de março de 1744 não foi aplicada em Goiás. Somente com a posse do primeiro governador, em Vila Boa, os requerimentos de sesmarias ficam submetidos à ordem de que não se conceda mais do que meia légua de terra de testada com duas léguas de fundo.[8] Porém, a regra era de três léguas de comprido por uma de largo para a criação de gado.
As mais antigas sesmarias do Distrito Federal foram concedidas a Manoel Barros Lima em 1741. Na declaração do registro de suas duas sesmarias, que compreendiam toda a extensão do rio Maranhão e seus afluentes de uma margem e de outra, acrescenta “ficando livres as serras e terras inúteis de crear…”. Um século mais tarde, em 1857, nos registros paroquiais, a região toda parece retalhada em pequenas fazendas, talvez derivadas dos inúteis de Barros de Lima.
O arraial de Santana, Paracatu do Príncipe é um caso raro de a fundação do arraial preceder a descoberta do Ouro. Em 1736, já existia pelo montante de pessoas de três grandes bandeiras da região: a de Urbano do Couto Menezes de 1733 e as duas de 1736, vindas de Minas, autorizadas a abrir caminhos para Goiás. As minas de Paracatu só foram abertas em 1744, dois anos antes do primeiro ouro encontrado no dia de Santa Luzia (Luziânia), a 13 de dezembro de 1746, a peregrina dos doentes dos olhos, denominando o arraial que teve a primeira missa rezada em março de 1748, pelo padre Luiz da Gama Mendonça, assistida por mais de seis mil pessoas.
Paulo Bertran apresenta outro roteiro de viagem que marcou a história da região de Brazlândia. Trata-se do diário de viagem do 5° governador e capitão-general das Minas de Goiás, Luís da Cunha Menezes, sucessor de José de Almeida que não teria transitado pela estrada que levava da Contagem à Meia Ponte (Pirenópolis), pela qual avistavam-se os altiplanos das atuais Brazlândia e Girassol. Em 2 de setembro de 1778, Luís da Cunha vem de Salvador com sua comitiva para tomar posse no governo da capitania de Goiás. A comitiva pernoitou em são João das três Barras depois da viagem de 11 léguas (66 km) atravessando toda a porção norte do Distrito Federal.
Da forma como narra Paulo Bertran no capítulo XIII: No dia seguinte, retomaram a viagem para Oeste, cujo destino, nove léguas depois de São João, era certa localidade dita Vendinha, situado o córrego deste nome na atual Brazlândia. Antes de ali chegar, passaram rumo Oeste, 12 quilômetros além de São João por um lugar chamado Couro e, 24 quilômetros depois, chegaram às cabeceiras do Rodeador, que já deita águas para Oeste, para o rio Descoberto. A atual estrada DF-01 – quase uma homenagem à primeira estrada que atravessou o Planalto, que era esta “Picada da Bahia” em que vinha Luís Cunha – segue com bastante fidelidade a estrada setecentista até uns 10 quilômetros antes de chegar em Brazlândia, onde a modernidade implantou outras estradas. A cidade de Brazlândia é deste século (do século XX), mas seu sítio era pouso de tropas desde o século XVIII.[9]
Fazendas-mães
As sesmarias de Santa Luzia somavam vinte e nove, todas de meia-légua em quadra, para subsistência alimentar. O núcleo minerador, fundado em 1757, por José Pereira Lisboa, serviu de vanguarda para a colonização. Dentre os requerimentos da região, há um de 1777, de Antônio de Camargo Pimentel, que indicando léguas de terras nas cabeceiras do Descoberto, parece ter constituído um núcleo de colonização paulista ao norte de Brazlândia.
As sesmarias de Meia Ponte e Corumbá de Goiás eram em maior número e grau de adiantamento devido à influência das minas de Meia Ponte desde 1731. Entre as sesmarias do rio Verde e de Padre Bernardo, consta em nome de João Jorge Rangel – o mesmo que repartiu as terras de Paracatu comissionado pelo governador Gomes Freire em 1744 – uma fazenda Maranhão, situada no rio de mesmo nome, no distrito de Meia Ponte, servindo-lhe de extrema a parte de baixo o rio Verde, e acima na barra do riacho da Água Fria. Em nome de Manoel Antunes Xavier Braga, uma fazenda denominada São Domingos, na beira do rio Verde e ainda outra fazenda na beira do rio Verde, de Bento Soares de Souza, vizinha à de Manoel Antunes até o rio Maranhão.
No capítulo XVI, Bertran registra a presença da Coluna Prestes em 1926, no vão dos Angicos voltando para o sul, na Fazenda Curralinho, na primeira fazenda do extremo noroeste do Distrito Federal, propriedade em 1810, de Antônio Rodrigues do Prado, grande sobrenome paulista a que pertencia Domingos Rodrigues do Prado, “matador insigne”, genro do Anhagüera e fundador da grande mina de Crixás. Ainda há Rodrigues do Prado na região.[10] Além da fazenda Curralinho, Paulo Bertran cita a fazenda Desterro como numa localidade próxima dali, em nota de rodapé do capitulo XIV.
Para Joseph de Mello Álvares, a decadência da mineração de Santa Luzia iniciou-se no ano de 1800, por ter deixado de correr o rego da Saia da Velha, que tomava a água no Distrito Federal e despejava-as no alto da Igreja do rosário em Luziânia. Para Bertran, a decadência já vinha desde 1780. Segundo o histórico da Administração Regional de Planaltina, com o declínio da mineração no final do século XVIII, a base da economia passou a ser a agricultura e a pecuária.
A Administração Regional de Planaltina – DF disponibiliza um histórico resumido da região contendo informações pertinentes ao nosso roteiro. Segundo este relato histórico sobre Mestre D’Armas, as autoridades da Coroa e os donos das capitanias doavam lotes de terras – as sesmarias – aos agricultores e mineradores, como forma de incentivar a formação de povoamentos. Planaltina teve origem nessa época, por volta de 1790, quando, segundo a tradição oral, um descendente de bandeirantes, vindo de alguma mina das redondezas, escolheu um lugar à beira de um riacho para construir sua casa e seu local de trabalho. Ferreiro e perito na arte de consertar e manejar armas tornou-se conhecido como Mestre D’Armas, nome que passou a identificar a região, formada por pequenas fazendas de gado e de agricultura de subsistência.
Conforme registros do Livro de Impostos Rurais (dízimos) de Santa Luzia, atual Luziânia, em 1810, o Sítio de Mestre D’Armas era composto por sete sesmarias, abrigando cerca de 200 famílias. Em 1811, quando a comunidade do Sítio foi assolada por uma epidemia, os fazendeiros fizeram uma promessa a São Sebastião, de doar um trecho de terras para a construção de uma capela, em troca do restabelecimento da saúde de seus habitantes. Com a construção da capela, o Sítio recebeu a denominação de Arraial de São Sebastião de Mestre D’Armas. O território de Mestre D’Armas pertenceu, inicialmente, à Vila de Santa Luzia (Luziânia) e, em 1837, foi transferido para o Julgado de Couros (Formosa). Porém, até quase o final do século XIX, o povoado pertencia por vezes ao Julgado de Couros, por vezes à Santa Luzia, de acordo com as forças político econômicas.
Em 1859, a 19 de agosto, é elevado a Distrito Municipal de Formosa, data considerada como a de fundação da cidade. O Distrito desliga-se, mais uma vez de Formosa, em 1891, elevando-se à categoria de Vila de Mestre D’Armas, cuja instalação ocorreu em 20 de fevereiro de 1892, com a aclamação da 1a Intendência (prefeitura) e com a inauguração da Cadeia Pública e da Escola. Nesse mesmo ano, chega à Vila a Comissão Cruls, responsável pelos primeiros estudos que culminaram com a demarcação de uma área de 14.400 km2 – quadrilátero Cruls – para a implantação da nova Capital. Durante cerca de dois anos, a Vila serviu de ponto de apoio para a Comissão que, ao final de suas pesquisas, elaborou um relatório técnico apontando para as vantagens da localização da Capital Federal na região. Em 1910, a Vila de Mestre D’Armas recebeu a denominação de Vila de Altamir, que significa boa miragem e, só à partir de 14 de julho de 1917, passou a chamar-se Planaltina. Na década de 20, a cidade experimenta significativas mudanças com a implantação da empresa de cortume, fábrica de calçados, usina hidrelétrica e da estrada de rodagem ligando Planaltina à Ipameri.
Ainda segundo o histórico da Região Administrativa, Planaltina foi destaque no cenário estadual e nacional no ano do Centenário da Independência do Brasil quando, entre as celebrações, houve o lançamento da Pedra Fundamental da futura Capital, em 7 de setembro de 1922, assentada no Morro do Centenário, Serra da Independência, a 9 km de Planaltina. Na década de 30, pouco se falou sobre a transferência da Capital, e Planaltina sofreu uma interrupção no surto de desenvolvimento, devido à oposição política entre o interventor de Goiás Pedro Ludovico, nomeado por Getúlio Vargas, e a família Caiado, que tradicionalmente dominava a vida política das cidades goianas. Em 1945, a idéia da transferência é retomada e a cidade hospeda a Comissão Poli Coelho, a qual decide pela manutenção da localização sugerida pela Missão Cruls.
A Missão Cruls
A historiadora Regina Saraiva aponta o ano de 1750, como marco das iniciativas de interiorização da capital, quando Francisco Tossi Colombina, cartógrafo genovês, elabora a Carta de Goiás e capitanias próximas, sugerindo a mudança da capital do país para essa região. Com o mesmo intuito, em 1761, são registradas referências atribuídas ao Marquês de Pombal, estadista português que sonhava com a mudança da capital para o vale do Amazonas, fazendo do Rio de Janeiro apenas a capital provisória. Em 1789, os inconfidentes de Vila Rica incluíram, no programa por eles elaborado para o Brasil, a transferência da capital federal, do Rio de Janeiro, para São João Del Rei. Segundo eles, essa cidade era a que apresentava as melhores condições para comportar a sede do governo brasileiro, por ser aquela vila mais bem situada e farta de mantimentos.
O jornalista Hipólito José Costa iniciou uma campanha em defesa da transferência da capital em seu jornal Correio Braziliense. Em 1808, o jornal fazia referência ao estabelecimento da capital em um paiz do interior central e próximo à cabeceira dos grandes rios. O ponto central indicado refere-se às mais altas nascentes dos rios Tocantins, São Francisco e Paraná a 15 graus de latitude austral. Citam-se os caudalosos rios, as vastas campinas, para criação de gados, as pedras em abundância para toda a sorte de edifícios, madeiras de construção para todo o necessário e minas riquíssimas de toda a qualidade de metaes.
Entre 1823 e 1849 as cidades mineiras de Paracatu e São João Del Rei, além da cidade de Formosa, no planalto goiano, foram cogitadas como local adequado à futura capital. José Bonifácio de Andrada e Silva foi o maior defensor da transferência da capital. Ele indicou a cidade de Paracatu na região do Planalto mineiro e recomendou meios para a execução do projeto da construção da capital, além de sugerir dois nomes: Petrópole ou Brasília.
Com a Proclamação da República, em 1889, o ideal de interiorização transforma-se em preceito constitucional. Em seu artigo 3º a Constituição estabelecia: Fica pertencente à União, no Planalto Central da República, uma zona de 14.400 km2, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura capital federal. A Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, segundo a historiadora Regina Saraiva, foi a primeira iniciativa oficial do governo brasileiro no sentido de concretizar a mudança da capital. Liderada pelo astrônomo Luiz Cruls, então diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, era formada por geográfos, médicos, botânicos, higienistas, geólogos, naturalistas e engenheiros. A Comissão – Missão Cruls – realizou seus trabalhos de 1892 a 1894. Entre os anos de 1892 e 1893, fez a identificação da zona constitucionalmente pré-definida, demarcando uma área de 14.400 Km2, que incorporava áreas de antigas fazendas do estado de Goiás, pertencentes às cidades de Planaltina e Luziânia.
Os resultados dos estudos incluem o primeiro mapa do Brasil em que aparece no Planalto Central o “Quadrilátero Cruls”, área retangular que recebeu, oficialmente e pela primeira vez, a expressão “Distrito Federal”. Entre os vários estudos científicos realizados pela Missão Cruls, desde aspectos como clima, topografia, fauna, flora, entre outros, encontram-se os estudos dos cursos d’água de vários rios, entre eles o Rio Paranoá, denominado, no Relatório da Comissão, Paranauá.[11] As águas e o clima da região foram muito importantes na decisão, como podemos notar a seguir: Felizmente, a nova capital do Brazil poderá ser abastecida com um volume d’água potavel muito superior áquella (refere-se a cidade de Paris) e sem que se tornem necessarias obras de arte de grande custeio. O systema hydrographico da zona demarcada é com effeito de uma riqueza tal que qualquer que seja o logar escolhido para edificação da futura capital, encontrar-se-há, sem grandes difficuldades, agua sufficiente para abastecê-la a razão de 1000 litros diarios por habitante…
Um dos resultados que a Commissão colheu e sobre o qual ousamos chamar a attenção, é concernente ao clima da região explorada…Em resumo, a zona demarcada goza, em sua maior extensão, de um clima extremamente salubre, em que o emigrante europeu não precisa de acclimação, pois encontrará ahi condições analogas ás que offerecem as regiões mais salubres da zona temperada européa… A humidade do ar é extremamente diminuta durante os mezes do inverno (Abril-Setembro) augmentando naturalmente com a estação chuvosa.[12]
Em junho de 1894, Luiz Cruls, após os resultados positivos obtidos pela comissão, foi designado para presidir a Comissão de Estudos da Nova Capital da União. A Segunda Missão Cruls fez estudos mais detalhados, especificamente da área do quadrilátero, quanto ao clima, águas da região, opções de comunicação com o litoral, levantamento topográfico. Sua incumbência era a de escolher o local definitivo para a edificação da capital. A área escolhida foi a planície abraçada pelos rios Torto e Gama, o mesmo local que serviu de observatório meteorológico e ponto de encontro da comissão.
Essa área se localiza a cerca de cinco quilômetros do local onde se encontra, atualmente, o Cruzeiro de Brasília, próximo ao Memorial JK. O local foi aprovado pelos integrantes da comissão, dentre eles o naturalista e botânico A. Glaziou, que se refere à região destacando sua beleza e as peculiaridades do clima e das águas. Os trabalhos da Segunda Missão Cruls foram até 1896. Com a saída de Floriano Peixoto, as idéias de mudança da capital, no que diz respeito às ações do poder executivo foram paralisadas.
Origens de Brazlândia
A passagem histórica que marca a origem do povoado que recebeu o nome de Brazlândia possui várias versões. Conseguimos ouvir as versões da Dona Maritana (Maria de Abreu), do senhor Nenenzão, filho da dona Judith Cardoso de Oliveira, e do Senhor Geraldo Maia. A versão da família Braz, representado pelo seu Zequinha Braz, foi acessada por meio de uma entrevista gravada em VHS, pela equipe da ADESB.
Os marcos históricos mais representativos nos testemunhos das famílias pioneiras para a formação do povoado na fazenda Chapadinha foram a construção da igrejinha de São Sebastião com os festejos religiosos como o de São Sebastião, o do Divino e o da Folia de Reis. O segundo acontecimento mais marcante parece ser a chegada do professor de Luziânia na escola, construída onde hoje se encontra a árvore mais antiga da cidade, a Paineira (Barriguda) centenária que floresce entre maio e julho. A escola era a oportunidade para que o filho pudesse estudar e poder trabalhar na cidade. Assim como os cursos d’água e as estradas coloniais que buscavam o ouro e traziam o comércio eram os determinantes geográficos para a dinâmica social da região na era colonial, a devoção religiosa, a escola e a preocupação com a educação dos filhos podem ser consideradas as principais forças motrizes para o povo da região a partir da época da formação original de Brazlândia. A seguir, transcrevemos partes das entrevistas com os pioneiros, onde apresenta a história da chegada à Fazenda Chapadinha.
Dona Maritana (Maria de Abreu):
Meus bisavós foram os primeiros que vieram pra cá. Tanto que eles eram donos daqui até na divisa do Distrito com Goiás. Era tudo de minha bisavó. Catarina Rodrigues do Prado era a minha Bisavó. Meu pai era dos Abreu e minha mãe era dos Rodrigues do Prado. Eu não conheci nem minha avó. A velha Catarina era mãe de treze filhos. Eles foram casando e morando tudo aí perto dela. Eu nunca tive oportunidade de perguntar, mas eu acredito que eles vieram de Minas. A família do meu pai, os Abreu Lima, nasceu pro lado de Padre Bernardo e ele foi criado por aí mesmo.
Depois que os velhos morreram a terra ficou pros filhos. Eram muitos filhos e cada um pegou a sua parte. Aí, você sabe, sempre tem uns espertos que gostam mesmo de abusar dos outros. Naquele tempo o povo não dava valor em leitura, eles não sabiam ler coitados, eram todos analfabetos. Aí tinha uma tal de Luziânia e o outro que tomaram essas terras todinhas. Eles chegavam nas casas, a gente não sabia lê, eles falavam assim: Eu quero que você me passa uma procuração pra gente legalizar estes terrenos pra vocês. Tanto que nós tivemos que comprar este terreno de novo pra poder ter direito na propriedade porque eles disseram que se nós não comprássemos, teríamos que sair. Compramos uma coisa que era da gente. A gente entrega nas mãos de deus.
Aqui não tinha ninguém de fora, era tudo dos Rodrigues do Prado. Depois é que foi chegando o pessoal lá de Planaltina, vinha e ficava aí uns três meses e iam embora. Depois vinha e ficava definitivo. Meu marido é de família de Correntina. O pai dele veio da Bahia e deixou a mãe dele grávida lá, aí o irmão dela trouxe ela a pé, levaram um mês de Correntina até aqui. Meu marido chegou com três meses de idade. Mas a minha família é toda daqui. Minha bisavó trouxe três filhos e o resto nasceu aqui mesmo. Eu mesma nasci e me criei aqui nesta chácara.
Aqui tem esse nome de Brazlândia mas não foi os Braz que foram os primeiros proprietários não. Eles chegaram aqui depois. As fazendas deles eram mais longe. Vegildo Braz, Antônio Braz, Manoel Braz, Ponciano Braz, era esse povo que foi arrumando as fazendas. Tudo que a gente precisava tinha que buscar em Luziânia, plantava aqui também. O sal, esse Ponciano Braz, buscava em Ipameri – GO. Os baianos vinham a pé pela estrada da Bahia. Desde quando eu era criança, vinha aquele tanto de gente. Tinham uns arvoredos aí do outro lado, minha tia minha que morava bem em frente onde eles ficavam. Todo dia tinha os baianos que vinha e dormia lá pra no outro dia viajar pro Garça (Rio Garça, Barra do Garça – MT), puxando os jumentinhos.
O primeiro professor que teve aqui foi o Ernesto, depois foi o Braulino e depois foi o Bidó que foi professor aqui. A gente achava bom. Naquele tempo isso aqui tudo era da minha bisavó, mas o povo ia chegando e falava: Ah, eu vou montar um barraco aqui. E nós falávamos: Pode montar… Foi aumentando o povo aí, foi chegando e foi tomando. Eu estou ouvindo falar que vão construir a Igrejinha do jeito que era antigamente. E a festa do Divino, todo ano eu fazia, agora tem uns quatro anos que eu não dou mais pouso de folia aqui. É gente demais que vem. Toda vida minha família dava pouso de folia, fazia a festa. Antes de ter a Igrejinha já existia.
Minha mãe contava da passagem da Coluna Prestes por aqui. Eles esconderam tudo nos matos. E revolucionários passavam fazendo proezas nas casas. Pegavam animais, pegavam gado e matavam. Matavam galinhas. E meu pai foi levado por eles até no Alegre, uma fazenda que tinha aqui pra frente. Chegou lá, um tenente mandou ele vim embora escondido, falou pra ele: A hora que eles saírem, você pega este cavalo aqui e vai embora! Não dorme na estrada, pois se eles descobrirem que você foi embora, eles vão atrás. E assim ele fez. Porque dizem que quando eles chegavam num lugar eles não paravam não, eles iam andando. Aí ele veio embora e chegou aqui eram três horas da manhã. Mas veio. Mas se fosse com brutalidade aí era pior, pois eles batiam e judiava. Eles pintaram.
Quando veio a construção de Brasília, eu já era casada, já tinha um bocado de filhos. Muita gente mesmo. E foi chegando gente. Aqui era pouca gente. Tinha uma estrada de Anápolis para Planaltina que passava por aqui, em Campo Limpo, Aparecida. Tinha outra que passava nos Olhos d’Água. Mas nesse tempo só tinha uma jardineira que fazia este transporte. Tinha pensão da Dona Judith, aí eles saíam de Planaltina e o ponto de almoço era aqui. Aí eles tomavam café lá no Campo Limpo, lá no Buré. Aí de lá…
Seu Nenenzão: (Cardoso de Oliveira)
Eu tinha dez anos, meu pai mudou praqui em 1933. Em 1935 ele nos buscou. Eu estudei aqui, não tinha nada, era uma fazenda! Aí meu pai, Benedito Cardoso de Oliveira, vulgo Bidó, ele tinha muito prestígio com esses Roriz de Luziânia, e um deles era prefeito lá. Ele arranjou um professor que veio dar aula aqui. Fez um barraco de palha. Isso aqui não tinha nada, só tinha uns ranchos de palha ali em baixo. A primeira casa que teve aqui foi a da minha mãe: Judith Cardoso de Oliveira que morreu agora a pouco, com 102 anos.
Aqui era uma fazenda chamada Chapadinha. Era tudo dos Braz, e eles deviam a terra, e foi para dívida ativa. Meu pai era um homem muito inteligente. E fez uma proposta para eles que se ele legalizasse a fazenda, receberia metade das terras. Meu pai foi pra Luziania, onde tinha muitos amigos. Arrumou a terra. Meu pai ganhou aqui, novecentos e quarenta e nove alqueires. Os Braz moravam em outras fazendas e tinham a posse de terras, muita terra que ia daqui até Luziânia. Só tinha um morador da família de Abreu que morava ali em baixo. A fazenda do rio verde era do pai do Zequinha Braz, o seu Vegildo Braz. O seu Vegildo é que fez aquela casa. Curral antigo, um monjolo grande.
Em 1939 meu pai fez uma casa de telha aqui. Fez uma igrejinha bem aí na frente, onde esta a igreja hoje. Eu falei muito quando eles derrubaram esta igreja. Eles não deviam ter feito isto. Meu pai já morava aqui desde 33. Ele era fazendeiro. Eu nasci ali no Curralinho. A fazenda do outro lado era do Antônio Cardoso de Oliveira, vulgo Tota. De cá Leonardo Cardoso de Oliveira, que era meu avô e avô de Geraldo. E na Almécegas morava o Etelvino. Mas eles tinham um outro irmão que morava em Planaltina, chamado Vicente. Eram quatro irmãos que vieram de Posse-GO. Minha avó é de Curvelo-MG. Eu não sei como é que este povo arrumava esse trem. O véio de Posse mudou pra cá, Curvelo é longe. Eles casaram aqui.
Ele que ficava mexendo com isto aqui. Ele arranjou professor, fez uma escola, E uma casa com prefeitura. Tinha a igrejinha aqui, a prefeitura era logo ali. Era só o povo daqui mesmo. Foi chegando os fazendeiros, esses Braz, esse povo de minha mãe. Aí vieram fazendo casa. A casa do meu avô, do avô de Geraldo. E daqui a gente ia buscar as coisas de carro de boi ou a cavalo em Luziânia, Corumbá, até em Ipameri nós já fomos pela estrada de carro de boi.
Aqui tinha uma estrada real que eles chamavam que era a estrada dos Baianos. Ela passava em Planaltina, passava ali na vendinha, pra cima do Barrocão e saía lá em Corumbá e ia pra Anápolis. Tem até um cemitério ali um pouquinho pra cima do posto fiscal, depois da Vendinha.
E o Caminho pra Luziânia que a gente ia era reto. O padre saía de Luziânia, a cavalo, e ia fazer festa no Padre Bernardo. Ele morreu lá, ficou enterrado na igreja de lá. A cidade chama Padre Bernardo por causa dele. Fazia a festa lá, fazia a festa aqui e voltava pra Luziânia. Foi este Padre que me casou. A estrada do Carreiro passava na cabeceira de Taguatinga ali. Saía no Gama, Catetinho e Luziânia.
Passava pela fazenda do Gama que Juscelino desapropriou pra fazer o Catetinho. Quem desapropriou estes terrenos aqui de Goiás foi Altamiro de Moura Pacheco, que era o governador de Goiás da época. Aqui não foi distrito de Luziânia, porque não tinha 35 casas de telha. Era o prefeito de lá que nomeava uma pessoa aqui. Sub-delegado, sub-prefeito. O movimento era de Anápolis pra Formosa. Era uma estrada dos anos quarenta. A estrada daqui pra Padre Bernardo, antigo Barro Alto. Era Barro Alto era distrito de Luziânia. Mais pra cima só Niquelândia.
Meu pai soltava o gado aqui, e não tinha cerca. Eu conheço isso aqui tudo de ir buscar o gado. Já fui buscar gado à cavalo até lá perto de Brasília, Sobradinho, por ali. Tinha muito bicho, e esse povo aqui era caçador. Saía daqui pra ir caçar naquela chapada. Lá na Cidade-Livre era o lugar que mais tinha Pirapitinga, o peixe. Eles iam pra lá caçar e nós íamos pescar. Mas pegava Pirapitinga, nossa senhora!
Seu Zequinha Braz:
Meu pai começou a construir esta casa quando eu tinha quatro anos. Meu avô era lá do Carmo do Paranaíba – MG, mas meu pai já nasceu aqui. Meu avô veio pra Luziânia ele tinha uns oito a doze anos. Ele casou-se com uma japonesa, mas ficou viúvo logo. Depois ele casou-se com a Vó Maria. A vó Maria era dona daquele mundão de terra pra lá. De Brazlândia até Luziânia era a fazenda da família dela. Aqui era a fazenda Colônia do Rio Verde.
Quando a minha irmã foi casar, nós fomos de carro de boi daqui para Luziânia. Levamos uns três dias e meio pra chegar. No caminho a gente ia cozinhando, dormindo, e vigiando os bois para eles não fugirem. Na época nós comíamos carne de lata, gordura frita na lata. Ainda fiquei mais uns quinze dias em Luziânia arrumando pra ela casar. Meu pai não gostava de festa. Ele deu só o almoço. Tem uma capelinha no rio Verde que o padre faz a festa de São Sebastião. A folia de São Sebastião faz a entrega lá. Nós já demos muito pouso de folia aqui, de São Sebastião, do Divino, dos Reis. Depois que o menino morreu é que nós paramos.
Meu pai ia pegar sal e arame lá em Luziânia. As outras coisas nós fazíamos. Plantávamos uma roça de uns dois alqueires de milho, feijão, mandioca. Tinha monjolo, engenho, que foi feito pelo Simião, que está lá de Brazlândia. Antes Brazlândia não tinha delegado. O responsável era chamado de Quarteirão, tinha uns três quarteirões aqui na Chapadinha.
Senhor Geraldo Maia:
Cardoso de Oliveira é uma família do norte de Goiás. Eles vieram em três irmãos para aqui, na época, e um ficou nas Almécegas, o irmão do meu avô, o meu avô ficou aqui e o outro irmão dele ficou ali do outro lado, na outra fazenda onde está o Célio hoje, no Curralinho. Eu tinha um tio que ele era padre, o tio do meu avô era padre. E ele andava aí por essa região e conhecia tudo. O padre Domingos era daqueles padres que andavam catequizando a cavalo. Era da família Cardoso de Oliveira. Ele veio pra Luziânia e andava por Jaraguá, onde está enterrado. O Cartório era em Luziânia, era da Igreja, registro e óbito. Vieram com meu avô e seus irmãos.
O Tota, que é pai do Antônio Tota, ele morreu a pouco tempo, no ano passado. O pai dele, o Tota, pegava burro e saía vendendo café, e ia bater lá em Araguari – MG, saia daqui pra lá, e aí vinha e trazia as coisas de lá pra cá. Ele conheceu a mulher dele lá em Araguari. Casou primeiro. Aí veio, pegou meu avô e levou pra casar com a irmã da mulher dele. Elas eram da família Ratz. Eu já tentei ver se eu localizo. É entre Estrela do Sul e Araguari, naquela região ali. Então, quer dizer, casou os dois. O outro, o tio Etelvino que é o da Almécegas, casou com uma mulher da cidade de Padre Bernardo – GO.
Tia Judith, que criou Brazlândia… Porque foi o marido dela que criou Brazlândia. O Benedito Carlos de Oliveira, chamado Bidó. Ele morava aqui com meu avô, casou aqui. Casou com a minha tia e ficou morando ali no monjolinho. Depois, quando foi em 33 eles foram pra Brazlândia. Ele era o primeiro professor de Brazlândia. Fizeram a escola lá. Eles que foram os primeiros a construir no bairro Tradicional. A casa da dona Judith. Teve uma sub-prefeitura em Brazlândia, feita de tijolo e barro. O sub-prefeito era o Juca Dutra daqui. A primeira igreja que teve aqui na região foi lá onde é Brazlândia hoje, a São Sebastiãozinha, pequenininha, bonitinha, piso de chão. Deve ter fotografia dela lá.
Quando eles mudaram pra lá não tinha nada lá, era só uma fazenda chamada Chapadinha. Quem morava ali, era o pai da dona Maritana. Os Abreu Lima, eles que eram donos daquilo ali. Só tinha a casa da fazenda. Aí, o que meu tio pensou, ele tinha visão. Vamos pra lá e levar os filhos. Cada um de nós aqui fez uma casa lá. Meu pai foi pra lá, meu tio foi pra lá, o Beija, foi pra lá levou os filhos. Conseguiu um professor de Luziânia e pôs uma escola lá. Aí depois ficou Sub-Prefeitura. Ali onde que é aquele colégio das irmãs, ali no fundo da igreja era a subprefeitura. E aí nós mesmos fomos mudando pra lá. Gente de Curralinho, Almécegas, cada um punha uma casinha lá pra por o filho.
Meu tio falou com o fazendeiro que deu 20 alqueires pra construir a igreja de São Sebastião. Então, chegava lá e fazia num canto lá. De modo a botar o filho na escola. Que lá era mais fácil da prefeitura pagar, aí a prefeitura de Luziânia já pagava o professor. E aí foi fazendo, só que respeitou, fez ruada. Aquela primeira rua ali do setor tradicional, a rua da São Sebastião e a da tia Judith. Piso de chão.
A água nós bebia assim: tinha duas minas. Tinha um rego ali por cima, onde está a prefeitura hoje, o Regão d’água que saia lá naquela reserva. Hoje eu até estava vendo no jornal que está dando uma briga danada por causa daquela reserva do Veredinha. Um pessoal tinha água por baixo e outro tinha água por cima. Estes que tinham água por cima, cada travessia de rua daquela tinha um reguinho, o pessoal de baixo também, todo mundo tirava água limpinha. Mas era um negócio. A água que passava na rua, você podia beber. A maior nascente do Veredinha era um rego destes. E a segunda nascente era o rego de baixo, que era pra nós tomarmos banho. Ali onde é a Emater, o pessoal fazia adobe, para construção das casas, faziam um buracão por baixo do rego, formavam umas piscinas pra gente tomar banho.
As casas eram feitas de adobe ou de um sistema chamado de taipa, vinha com umas tábuas e pisava. É isto que eu te falo, desmancharam a maioria das casas feitas na época. Aquele muro do Nenenzão deve ser ainda. A casa da tia Judith também ainda tem. Tinha um velhinho especial pra isso. Um velhinho chamado seu Juca, ele é que fazia os muros pro pessoal, lá. Eu era moleque, mas acompanhava tudo, era moleque de Brazlândia.
Os Braz eram donos das terras, não foram eles que criaram Brazlândia não. Os Abreu Lima também eram uns donos das terras primeiro. Olha o que aconteceu: um negócio impressionante. São meus parentes, mas os Braz chegaram aí e eram ricos. O primeiro que chegou aí, comprou de tudo. A fazenda que eles compraram ia de Taguatinga ao rio Verde. Os Abreu Lima foram prejudicadíssimos, eles eram donos de Brazlândia. Os Braz chegaram aí e compraram tudo, foram comprando, os Abreu Lima venderam barato.
Ali onde é o Incra hoje, meu avô criava gado pra lá. O avô daquele ali queimava aquelas chapadas lá, que estas chapadas brotam bem, aí em cima, brotam bonitinho. Numa época dessa (começo da estação seca) nosso gado tava subindo pra lá. Meu avô não fazia o que eu faço hoje, tratar de vaca no cocho. Meu vô levava o gado praquela chapada lá. Você podia beber água ali no chão. Limpinha. Não tinha nada, nada, nada. Você ia daqui pra Brazlândia, você não via uma casa. Eu fui várias vezes de carro de boi, de cavalo, a pé. Onde hoje é o clube do sal, a passagem do rio do Sal era ali. Passava dentro do rio. Não tinha ponte ali. Tinha uma ponte velha na estrada colonial que passava dentro da QP, atravessando o córrego manhoso.
O acesso pra construir Brasília, foi por ali. Tinha uma estrada que ligava Anápolis à Formosa. O acesso todo foi por Brazlandia. Quando, em 1960, inauguraram a rodovia que liga Anápolis à Brasília, acabou o trânsito de Brazlandia. A cidade ficou isolada. Na época que o acesso era por aqui tinha um movimento grande, tinha a pensão da tia Judith. Tinha uma jardineira que fazia Anápolis/Formosa e a tia Judith fez a pensão pro pessoal do ônibus. Quando chegou Brasília em 57, foi preciso da filha dela montar uma pensão também porque o movimento cresceu muito.
O Distrito Federal e Brazlândia
Em abril de 1955, segundo a historiadora Regina Saraiva, o Sítio Castanho foi escolhido para abrigar a nova capital, exatamente no local onde esteve acampada a comitiva de Luiz Cruls, na antiga Fazenda Bananal. Em torno do local escolhido foram traçados os limites do novo Distrito Federal, com uma área de aproximadamente 5.000 km2. Ainda em 1955, o presidente Café Filho aprovou o sítio e a área da nova capital, entre os rios Preto e Descoberto, abrangendo três municípios goianos: Planaltina, Formosa e Luziânia. Mas foi somente em 1956, no governo de Juscelino Kubitschek, que se materializaria a “aspiração nacional” e a concretização de iniciativas voltadas para a construção da nova capital. Em setembro desse ano, foi sancionada a Lei nº 2.874, que dispunha sobre a mudança da capital federal e criava a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, NOVACAP (responsável pela construção e urbanização da futura cidade). Foi publicado o Edital do Concurso para a escolha do melhor projeto para a Nova Capital do Brasil.
…O sítio não deve ser interrompido por qualquer barreira visual tal como uma garganta profunda, áreas muito acidentadas, pântanos ou serras altas. Os solos devem ser bem drenados e configuração do terreno deve ser tal que seja possível o sistema de esgôto por gravidade. Um abastecimento d’água adequado e certo deve ser previsto…A área deve ser livre de bruma sêca, e ventos fortes e desagradáveis e outras manifestações climáticas indesejáveis. Deve haver, nas vizinhanças, motivos para uso recreacional dos habitantes da cidade e, finalmente, deve ser atraente à vista e oferecer aos projetistas da cidade a oportunidade do aproveitamento de paisagens e outros recursos de interêsse visual e beleza…
O Sítio Castanho é um sítio convexo. É aberto a tôdas as influências dos ventos predominantes e, durante os períodos de calmaria, êle tem uma forma topográfica ideal para promover a drenagem do ar através do sítio da cidade. O ar se movimenta do planalto alto e sêco através da área da cidade e se drena dentro do vale florestado do rio São Bartolomeu… A área do sítio é bem drenada, condição esta que reduzirá a umidade a um mínimo. Ela é coberta com uma floresta de árvores baixas de melhor qualidade que a de quaisquer outras áreas altas. Isto influenciará favoràvelmente o micro-clima e dessa forma reduzirá a temperatura do solo e a influência da radiação noturna.[13]
Dr. Océlio de Medeiros
No comício de Itajaí, a decisão política, sem a qual Brasília não sairia, do Juscelino de construir a capital. Este é o marco. O marco é a decisão. Não é o comício coisa nenhuma, mas a firme decisão de Juscelino de construir a capital. O comício é apenas um pulo, um passo, uma lembrança, um acidente político, uma pergunta e uma resposta. Mas entre este fato e a decisão deve ter havido muita reflexão da parte de Juscelino, muitos prós e contras, muitos conselhos, muitas horas de meditação para se tomar esta decisão. O famoso comício de Itajaí não foi feito em praça pública, foi num ambiente fechado. O Juquinha que fez a pergunta: Vossa Excelência, o senhor como presidente vai cumprir a constituição? Estava na Constituição, a mudança da capital. E Juscelino deu a resposta impulsiva. E depois da resposta impulsiva ele resolveu meditar bem, aconselhar-se com os amigos sobre os prós e os contras, e ter uma decisão ousada. Esta decisão política. Isto é que é importante num homem público: esta obstinação. Nunca ninguém ressaltou este lado psicológico, este lado intrínseco, de que sem a decisão política não se faz nada.
Eu era deputado federal, na época, pelo estado do Pará. Eu conhecia muito a selva amazônica, pois a região que me elegia era a região do baixo Amazonas e do Tapajós. Eram 14 municípios. E também não fui eleito pelo povo não. Ali havia rapazes que nunca tinham votado, que não sabiam o que era voto, não pertenciam a partidos políticos. Era o meu caso, por causa do Estado Novo. Ninguém dava valor ao voto. Então quem elegia era o povo ou o cacique político?
Além do lado político, quem chegava à Brasília antes da inauguração como eu, realmente tinha paixão pelo cerrado. Estas árvores encarangadas, como se sofressem de artrite crônica. Torcidas, elas crescem pra baixo. E quem saiu de lá onde se vê aquelas castanheiras de 60 metros, o cumaru, o pau-ferro, realmente encontrava aqui este mundo atrofiado, esta riqueza, realmente achava bonito. Um chão limpo, sem muito húmus. E você começava a ter amor, não por Brasília, que não existia na época, mas pelo local, pela região que você precisava conhecer e não sabia nada, era ignorante.
Mas, quando você chegava em Brasília, havia aqui um grupo de grileiros. Desde o tempo da missão Cruls, havia pessoas que sonhavam como futuro da cidade e começavam a adquirir terras pensando na valorização das terras quando fosse a capital. Era o caso do Hugo Borghi. Ele sabia onde ia ser Brasília e aí começou a fazer plantações de arroz, de uvas, um investimento enorme. Ele era o homem mais rico do Brasil. Tinha os seus representantes. Você chegava na Cidade Livre, eles viam que você estava deslumbrado, aí logo apareciam ofertas de terras, de fazendas baratas. Havia uma comissão de desapropriação, na qual o interventor Ludovico (não o Pedro, o primo dele) que estimulava as declarações de utilidade pública para fins de desapropriação.
Nestas comissões de desapropriação, pessoas cultas que conheciam Brasília, tinham o levantamento de todas as terras. Havia um motorista chamado João Evangelista que tinha acesso aos arquivos, aos papéis, às discussões, aos livros paroquiais, decorrentes da Lei de Terras do império, a qual até hoje está em vigor. Os colonos chegavam perante o pároco e dizia: Seu padre, eu ocupo uma área que começa no igarapé das onças, segue em linha reta… Jango havia me nomeado consultor jurídico da prefeitura de Brasília, cujo prefeito era Ivo de Magalhães. No exercício desta função, estudei profundamente o problema jurídico das terras do Distrito Federal. Conclui que todas as vendas eram frutos de fraudes cartorárias, com base em traslados do livro paroquial. Esta prática vem desde a Dona Beja que seduziu o governador da província de Goyaz e anexou novos territórios às suas terras.
Na estrada para Padre Bernardo, o Buracão, onde os dois córregos se unem para formar o rio da Palma. Parece uma cratera de vulcão. Pode ter ouro, diamantes. Fomos à cavalo: eu, Batista, meu filho Edgar, João Felipe. Subimos pelo Café Planalto rumo à Padre Bernardo. Chegamos ao buracão e vimos aquela depressão enorme. Havia uma piscina natural nas pedras, onde, mais tarde, fizeram um projeto para um grande lago alimentado pelas águas do Barrão e do Buracão onde seria implementada a psicultura com vistas a abastecer Brasília com peixes, baseada na experiência com psicultura nos Estados Unidos.
Eu precisava de uma casa. Construí um barraco de madeira e comecei a posse efetiva na região da fazenda Palmas sem saber que esta fazenda era o primeiro caso de usucapião do Distrito Federal, reivindicado por Teles Neto. Eu trouxe dois índios Kraô para a fazenda. O Pai Roto e um mais moço. Eles fizeram uma taba pra morar e uma roça indígena com milho preto, mandioca e risomas de bananeiras trazidos de longe. Eu passava os fins de semana lá, descobrindo aquela maravilha hídrica, coberta por árvores e dormindo neste barraco de madeira.
Todo sábado e domingo, eu acordava com tiroteio. Os caras metiam bala. Devia ser a mando do dono. Resolvi tomar as precauções devidas. Naquela época havia a JEB, de onde eu conhecia um bando armado: Canguçu, Azeitona, Varejão. Trouxe também um pistoleiro chamado Cocada. À noite, eles se distribuíram pelo terreno. Cocada me acordou. Ouviu um tiroteio vindo da extrema. Peguei meu parabelo 44, papo amarelo, com o cano oitavado. Batista pegou o jipe e foi atirando nos cavaleiros que vinham em nossa direção. Fui à polícia de sobradinho e fiz a queixa dos ataques noturnos. Intimadas ou o dono protegendo seu patrimônio? O detetive Cavalcanti e o delegado Paes Leme foram ao local para descobrir o cadáver da véspera. No caminho, encontraram um sujeito barbado que lavava os pés em uma poça d’água. Abordado, disse que estava indo fazer compras em Brazlândia e que havia muita onça pelo caminho, por isso estava armado. Os policiais averiguaram sua arma e perceberam que havia cápsulas vazias no tambor e cheiro de pólvora. Este revólver foi usado ontem! O homem foi preso e levado para interrogatório.
Fui à delegacia conversar com o chefe da família Alves, o senhor José Alves. Fazendeiro, disse que tinha gado e que sua família morava no rio Palma, na antiga fazenda do Urbano sob posse de Sebastião dos Campos Guimarães. Questionado sobre os tiroteios contou que tomavam umas cachaças em Brazlândia e iam assustar aqueles que chegavam do Rio de Janeiro com o senhor Antônio Teles Neto. Tudo isto era feito em represália à cobrança efetuada por agentes deste senhor, de arrendamento dos próprios donos que estavam ali há mais de trinta anos. Aconselhei-o a não pagar: pega a peixeira e fica afiando um galho de arvore olhando para os cobradores. Eles desaparecerão.
Antes de 1964, estava no meu barraco de madeira quando ouvi uma gritaria dos índios Kraô. Havia, entre os peões, um cearense chamado Gordo. Ele parecia o Lula. A gritaria era porque, como não havia mulheres por perto, o Gordo queria namorar o índio mais moço. Os Kraô estavam furiosos. Exigiam punição para a atitude do Gordo. Chamei o Gordo e combinei com ele que eu lhe daria umas chibatadas na frente dos índios. Umas pegariam, outras não. Falei pra ele chorar muito e pedir perdão. Assim foi feito. O Gordo chorou e pediu que o perdoassem. Os Índios, porém, não ficaram satisfeitos. Perguntei a eles o que queriam para poupar-lhe a vida. Disseram que ele deveria sair sozinho à noite, e só voltar se conseguisse matar e trazer um tamanduá bandeira. O cerrado é perigoso à noite. As sombras dos galhos viram fantasmas, os capins tornam-se luminescentes. Falei: Gordo, pega o 44 de papo amarelo e só volta com um tamanduá.
Ficamos eu, o Pai Roto e o índio mais moço esperando no barraco. Lá pelas cinco horas da madrugada ouvimos um tiro. O gordo deve ter matado o bandeira. Demorou pra voltar. Quando chegou, não trazia tamanduá. Disse que quando atirou no bandeira ele caiu numa escarpa. O gordo foi procurar onde tinha caído e descobriu uma cachoeira linda e com muita água, o sol estava nascendo e as andorinhas saíam da água que caía.
Fomos a cavalo até o local. O Gordo indicava o caminho. Chegando lá, vimos que era uma escarpa alta, com muito mato. Propus ao Gordo, que adorava cigarro e não encontrava pra comprar: te dou 2 maços de minister se você descer aqui com uma corda abrindo uma picada. Ele topou. Chegamos até a cachoeira e prometi mais um maço pro gordo subir pelas pedras da beira d’água. Foi então que ele descobriu o poço Azul. Subimos até lá. Que maravilha! O gordo ainda mergulhou no poço e descobriu uma gruta por alguns maços a mais.
Subimos pela trilha que dava acesso ao poço. Encontramos uma choça. Alguém mora aí… Era o vaqueiro do Dãozinho (Sebastião dos Campos Guimarães), chamado Pedro. Pedro nos recebeu com surpresa, pois quase não aparecia ninguém por ali. O Dãozinho dá o sal e nóis invernamos aqui com rebanho de umas trezentas cabeças. Sobre o poço, não tomava banho ali não. Falou também que ia de vez em quando à Brazlândia ou à Planaltina de carro de boi. Lá vendia a banha de porco, o abacate, a manga, a carne de caça, o leite, a carne de sol, o beiju. Dizia também que tinha medo de tomar banho no “poço das caveiras” porque apareciam umas cabeças flutuando.
O Núcleo Rural Alexandre Gusmão
Senhor Onil da Silva Custódio:
O senhor Onil foi coordenador da área de cartografia e topografia e o responsável pela implantação do loteamento, que aconteceu no final de 1969. Como a iniciativa partiu do Governo Federal da época, as terras em poder na Novacap foram revertidas ao patrimônio da União, por intermédio de uma escritura pública de reversão, tendo como beneficiário o representante legal criado com este intuito, o INIC – Instituto Nacional de Imigração e Colonização -, pois a União não pode receber terras. A reversão data de agosto de 1961 e foi realizada no cartório do 2° Ofício de Notas de Brasília.
Em junho de 1962 o decreto presidencial n° 51.517 que criou oficialmente o Núcleo de Colonização Alexandre de Gusmão – NCAG. O decreto institui a estrutura do Projeto, o cargo de administrador e a determinação ao INIC de implantar o projeto. A área total prevista para o núcleo de colonização era 21.561 hectares. As terras foram ocupadas observando-se o critério de acesso aos recursos hídricos, seja por meio de canais de irrigação ou pelo acesso direto aos cursos d’água (Rodeador e Jatobazinho)
A divisão em 430 parcelas de 10 a 20 hectares respeitou 47 áreas de reserva florestal (algumas foram invadidas) em 4 glebas distintas. O procedimento de demarcação obedeceu a coordenadas arbitrárias muito próximas às coordenadas reais. A rede local, a princípio não acoplada à rede geodésica nacional, utilizou azimutes verdadeiros. Depois do procedimento demarcatório, apurou-se um a área total de 22.503 hectares, mais de 900 hectares além daqueles do decreto presidencial.
A área foi registrada e depositada no cartório do 3° Ofício de Registro de Imóveis de Brasília, suas plantas, memoriais descritivos: total, por gleba, e de cada parcela. As terras pertencentes ao núcleo de colonização estão divididas entre as regiões administrativas de Brazlândia (60%) e de Ceilândia (40%), sendo que a parte de Brazlândia representa e torno de 50% da área daquela R.A.
A seleção dos parceleiros foi feita de acordo com as especificações técnicas exigidas pelo INCRA. A maioria dos assentados eram japoneses experimentados no ofício de produzir hortifrutigranjeiros, objetivo geral do assentamento. Ainda hoje, 60% do abastecimento do Distrito Federal corresponde à produção do NCAG. A Emater-DF continua oferecendo extensão rural com orientação aos produtores.
Atualmente, toda a gerência é feita pela associação dos produtores. Metade das parcelas é irrigada com as águas dos córregos Rodeador e Jatobazinho. O projeto foi considerado como modelo de reforma agrária no Brasil e servia como cartão de visitas para o visitante que quisesse conhecer a política de reforma agrária brasileira. A origem do nome Alexandre de Gusmão não é conhecida pelo ex-coordenador do INCRA.
Brazlândia Hoje Digo 2006/2007
Brazlândia hoje apresenta elementos únicos, singulares em todo o Distrito Federal. Muita história pra contar sobre as gentes que viveram ou passaram por aqui. As paisagens nos contam segredos sobre o sertão. As pessoas que viveram e que ainda vivem lembrando o tempo da infância e da juventude. Todos foram importantes para construir esta realidade que hoje resiste, mostrando que o passado tem muito a nos ensinar. A modernidade de Brasília teve que respeitar Brazlândia em sua realidade rural, seus fortes laços com a história do país, da invenção da nação brasileira. Cada um ao seu próprio modo, apresenta sua contribuição na manutenção do sentido da vida: o lar, a terra, o trabalho, a escola, a igreja, a política e as festas, o dia-a-dia da cidade do interior.
Brazlândia é o Sertão que resiste a capital. A antropóloga Mireya Suarez (UnB) trabalha a idéia de sertão enquanto marcador de diferenças, operador de identidades e metáfora espacial usada para narrar a conquista da civilização. A temática das fronteiras culturais e identitárias do Sertão e das tradições regionais definidas pela cartografia imaginária, Concebido como um espaço imaginado do vazio e do desconhecido, o sertão constitui uma fronteira simbólica da nação, além da qual se situa um outro diferente, alterno do civilizado, que é o sertanejo construído como personagem de uma comunidade tradicional, onde a vida social é orientada pelas relações de compadrio e de favor, cenário do coronelismo e do jaguncismo, dos movimentos messiânicos, das romarias e da profanidade.
São muitos conhecimento populares, como os transmitidos por seu Zizi, raizeiro e curador, e seu Beija, da Farmácia Verde, que eram as pessoas de Brazlândia que conheciam as ervas e os chás. Seu Beija, já falecido, chegou a ter uma farmácia verde onde fazia atendimento e distribuía os remédios que ele mesmo preparava. A farmácia do Seu Beija foi importante durante um certo tempo para a comunidade, assim como o herbário natural do cerrado, por ele montado.
As festas da cidade – Festa do Divino Espírito Santo; Festa Junina dos Bombeiros; Festa de São Sebastião; Via Sacra; Festa do Morango; Festa do Leite – são de cunho predominantemente religioso, popular e agrícola, ocupando os espaços públicos e atraindo um grande número de devotos e visitantes. Como são festas populares, que já têm certa tradição na região, atraem, além dos moradores, visitantes do entorno.
As principais expressões culturais organizadas pela comunidade incluem: o Grupo de Quadrilha Caipirincra, quadrilha profissional e o Encontro de Violeiros, um projeto do tio Wilson, funcionário da administração regional e violeiro “raiz”, que foi incorporado ao calendário cultural da cidade. A festa reúne cerca de duas mil pessoas da comunidade na praça da cidade. Os violeiros são de Brazlândia, do entorno e de cidades próximas.
O artesanato e as artes plásticas conquistaram espaço na cultura local. Com um total de 34 artesãos cadastrados, a ADESB promove a feira do Artesão todos os sábados na praça. A expressão artística faz parte do cotidiano da cidade e há muitas pessoas que consagram esse ofício. Muitos artesãos e artistas plásticos trabalham com matérias primas do cerrado e expressam o cotidiano da cultura local. Há também pessoas que trabalham com artes manuais e produtos utilitários de excelente qualidade. Boa parte da comercialização é feita no Plano Piloto, na Torre de TV e em exposições eventuais. Uma parte dos mestres artesãos (como a D. Tereza, D. Filó e seu Aires) já tem uma idade mais avançada. O trabalho deles está sendo valorizado e apresentado à comunidade.
No livro APA da Cafuringa – a última fronteira natural do DF, Pedro Braga Neto e Eriel Sinval Cardoso, na seção III da publicação da SEMARH, trazem informações complementares a nossa proposta, sobre os monumentos naturais da APA da Cafuringa apresentados com referenciamento histórico. Os primeiros desbravadores dos monumentos naturais da região são tema do artigo de Altair Sales Barbosa, Diretor do Memorial do Cerrado. No artigo, Barbosa lança hipóteses sobre as estratégias de sobrevivência adotadas pelos povos primitivos, baseadas nos subsistemas ecológicos da região, onde todos os sítios arqueológicos da fase Paranaíba encontram-se em abrigos de pedra. Os abrigos e cavernas são abundantes próximos aos afluentes do Maranhão, como no rio do Sal. Os canoeiros, de acordo com Sales Barbosa, “teriam vivido principalmente nas matas próximas do rio Maranhão e do Paranã”.
As comunidades do Curralinho, do Barreiro e de Almécegas foram incluídas nos estudos do Zoneamento Ambiental da APA da Cafuringa, os quais, apresentados na seção VI, conseguiram resultados interessantes a respeito da caracterização das comunidades rurais da região.
Com origem em manifestações do Divino do Portugal colonial e do Brasil imperial, a folia da roça, celebra o Espírito Santo, uma das três figuras da Santíssima Trindade. Presentes no calendário entre maio e setembro, as folias do Divino têm início no quadragésimo dia, a contar da ressurreição de Cristo, e terminam após as novenas, nove dias de penitência e preparação dos festejos que se darão em algumas das paróquias existentes nas cidades próximas. O primeiro ciclo começa antes da realização do rito, ainda com os preparativos. Nessa fase são realizados o giro nas fazendas, a chegada e a saída da bandeira e as obrigações litúrgicas como o cantorio de promessa e de devoção e a saudação do cruzeiro.
O anfitrião, pouseiro, recebe a bandeira e os foliões e tem a responsabilidade de alimentar os foliões e outros presentes num público que pode chegar a mil pessoas, dependendo do prestígio do pouseiro. Segundo José Mauro Ribeiro, na preparação do evento, uma comissão de cerimonial percorre previamente o roteiro, orientando desde a posição do cruzeiro, que ficará no terreiro, a colocação do altar na sala onde serão entoadas e cantadas as ladainhas e orações de celebração à divindade, até a localização do barracão de sapé, onde será servida a comida e depois dançada a catira.
O ciclo profano envolve os cantos de diversão, do qual fazem parte, a moda de viola, a catira, o canto para os muçungueiros e para as cozinheiras. A antropóloga Lara Amorim destaca que, no ciclo profano, a temática das músicas foge dos assuntos religiosos para abordar a relação de gênero – homem e mulher. A dança da catira ocorre no momento em que o festejo profano substitui o sagrado.
A descrição feita por José Mauro Ribeiro para o livro da APA da Cafuringa consegue transmitir a emoção dos foliões ao final da festa: Ao som dos violeiros, no altar dentro de casa, o pouseiro, juntamente com toda sua família, beija respeitosamente a bandeira e a entrega ao Alferes, que a conduz ao terreiro onde estão perfilados os foliões para os agradecimentos ao dono do lugar. Este é o momento mais emocionante do pouso. Os foliões apeiam de seus cavalos e, em movimentos reverenciais, agradecem um a um ao dono da casa, fazendo elogios, pedindo desculpas por algum transtorno e se colocando ao dispor para qualquer eventualidade que o pouseiro, por acaso, possa ter.[14]
Assim é Brazlândia hoje, urna cidade de tradições, vida tranqüila e aprazível. A Praça do Lago é o seu principal logradouro público. Tem, também, a Praça da Administração e três outras praças para uso dos moradores das quadras próximas. Tem um lago urbano e um balneário com o nome de Veredinha, numa reverência ao ribeirão que forma o mesmo.
A cidade e dividida em cinco setores: Setor Tradicional, Setor Sul, Setor Norte, Vila São José e Setor Veredas.
O Catolicismo detém o maior número de adeptos em suas três paróquias: a de São Sebastião, Menino Jesus de Praga e São José. A Maçonaria, Rotary Club e o Lions são Entidades de grande representatividade e prestigio na comunidade. O Núcleo Rural Alexandre Gusmão é a entidade rural melhor estruturada.
O Lago do Rio Descoberto oferece uma visão de rara beleza. A Cachoeira do Rio Cupim é uma atração turística da cidade. Igualmente atraente é a Cachoeira do Rio do Sal, e próximo a esta, existe uma gruta muito visitada.
Além do aniversário, em 5 de junho, Brazlândia tem três outros acontecimentos tradicionais: a Folia de Reis, entre a véspera do Natal e o dia de Reis, 6 de janeiro, com apresentações em praças, igrejas e chácaras a Festa de São Sebastião, em janeiro, e a Festa do Divino, celebrada no sétimo Domingo depois da Páscoa, com novenário, reza de terços e ladainhas e a “Folia do Divino” em procissão pelas ruas da cidade, com banda de música foguetes e repicar do sino, Festa do Morango e o melhor Carnaval de rua.
Hoje (2006) Brazlândia é formada por uma população de aproximadamente 47.000 habitantes na área urbana e 15.000 na rural. Tem água, luz, esgotos, escolas, hospital, telefone e até um estádio de futebol. A vida é saudável e bucólica, numa cidade que é cercada por centenas de propriedades agrícolas e pecuárias. Distância de 50 quilômetros do Plano Piloto. Sua população tem as características da gente interiorana: ordeira, trabalhadora e hospitaleira.
[1] Paulo Bertran, APA DA CAFURINGA – a última fronteira natural do DF. SEMARH, 2006.
[2] Pedro Ignácio Schmitz, Os primeiros povoadores do Cerrado
[3] Barbosa & Schmiz, 1998
[4] Maybury-Lewis,1984
[5] Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil / organizado por Antonio Carlos Diegues e Rinaldo S.V Arruda. – Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: 2001. 176p (Biodiversidade, 4)
[6] Paulo Bertran, Ed. Verano. Brasília, 2000. Pág. 68.
[7] “Entre o grau 15 e 20, havia uma enseada bastante extensa, que partia de um ponto onde ser formava um lago. Quando se vierem cavar as minas escondidas em meio a estes montes, aparecerá aqui a terra prometida, que jorra leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.(trecho da Profecia de Dom Bosco)
[8] Arquivo Histórico de Goiânia – Provedor Luiz de Moura.
[9] Paulo Bertran, 2000. Pág. 148.
[10] Paulo Bertran, 2000. Pág. 189.
[11] A Missão Cruls. Antônio Menezes Júnior, arquiteto. Marta L. Sinoti, historiadora. Regina Coelly Fernandes Saraiva, historiadora, mestre em ciência política
[12] O acervo do Arquivo Público do Distrito Federal é constituído de documentos textuais e iconográficos depositados nas diretorias de Pesquisa, Biblioteca e Arquivo Permanente. Destacam-se: Cadernetas da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil – Missão Cruls, 1892 e 1894; Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, Comissão Cruls, 1892; Relatório Belcher, 1892-1976.
[13] Relatório Técnico sobre a Nova capital da República, relatório Belcher
[14] José Mauro Ribeiro, APA da Cafuringa – a última fronteira ambiental do DF. SEMARH, 2006.
Fonte: Inventario turístico da Região de Brazlândia de 2006
ADESB – Associação para o Desenvolvimento Sustentável de Brazlândia
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